Heloiza Meroto de Luca e Pablo Moitinho de Souza
Mestres pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Advogados, Professores em cursos de Graduação, Pós-Graduação, Preparatórios e de Extensão Universitária e sócios da Meroto & Moitinho Advogados.
O tipo penal de Stalking foi incluído no art. 147-A do Código Penal brasileiro por determinação da Lei nº 14.132/21. Por se tratar de novatio legis in pejus, que incrimina nova conduta, a sua aplicação deve se dar para os atos praticados a partir de 01/04/21, data de publicação da referida lei.
Em sua modalidade simples, prevista no caput do art. 147-A do CP, o tipo penal incrimina a conduta de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. A pena imposta é a de reclusão, de 06 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
O crime de stalking apresenta como bem jurídico protegido a liberdade individual, mais especificamente, a liberdade pessoal. Consiste no ato de perseguir reiteradamente a vítima. Disso decorre que o sujeito ativo do crime (stalker) pode ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de crime comum. O mesmo ocorre em relação à vítima da perseguição (sujeito passivo): pode ela ser qualquer pessoa, observada a aplicação da causa de aumento de metade, nas hipóteses do § 1º, incisos I e II, do dispositivo.
O núcleo do tipo penal em análise é o verbo perseguir. Não basta que o agente pratique uma perseguição esporádica ou momentânea. Deve ela ocorrer reiteradamente. Esta palavra faz toda diferença na adequação típica, pois exige a habitualidade da conduta do agente. A configuração da habitualidade vai depender da análise do caso concreto. Por se tratar de crime habitual, não será possível a tentativa: ou o agente pratica conduta não habitual, e o crime não se configura; ou o agente pratica a conduta com habitualidade, e o crime resta caracterizado.
Assim, por exemplo, o motorista que, após discussão no trânsito, segue o outro com o seu veículo, ao menos de início, não incorre no crime do art. 147-A do CP. Haverá a configuração típica apenas se este motorista, descobrindo o local da residência ou de trabalho do seu desafeto, começa a segui-lo repetidas vezes.
A perseguição descrita no tipo penal do dispositivo em análise pode ser realizada por qualquer meio: não é necessário que a perseguição seja virtual, podendo ela ocorrer de forma física, por meio de drones, ou outros. O importante para a caracterização do tipo é que a perseguição: a) ameace a integridade física ou psicológica da vítima; b) restrinja a sua capacidade de locomoção; ou c) invada ou perturbe a sua esfera de liberdade ou de privacidade.
Pode-se ter como exemplos da prática do crime de perseguição desde o ex-namorado que faz declarações de amor megalomaníacas e comenta todos os posts da vítima nas redes sociais, até o paparazzi que lança um drone sobre a piscina da casa de uma celebridade, todos os dias, para conseguir fotos de sua vida privada. Neste sentido, inclusive, tem-se que o legislador acabou por abrir demais o leque de possibilidades de caracterização do tipo penal, em prejuízo do princípio da legalidade estrita.
A pena da modalidade simples do crime de perseguição é de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Trata-se, portanto, de crime de menor potencial ofensivo, com a possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, tais como a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo. Após o cálculo da pena privativa de liberdade pelo critério trifásico, há grande possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por uma das penas restritivas de direitos, a depender da observância dos demais requisitos (objetivos e subjetivos) para a adoção da medida, previstos nos art. 43 e seguintes do CP.
O mesmo não pode ser afirmado em relação à causa de aumento prevista no §1º do dispositivo, vez que ela prevê o aumento da pena de metade, o que impossibilita a aplicação da Lei Dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95)[1], vez que, com a aplicação da causa de aumento, a pena máxima do crime passa a ser superior dois anos.
A pena do crime de stalking é aumentada de metade se o crime é cometido: a) contra criança (de 0 a 12 anos incompletos), adolescente (de 12 anos completos a 18 anos incompletos) ou idoso (a partir de 60 anos); b) contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2ª-A do art. 121 do CP, ou seja, quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; c) mediante concurso de duas ou mais pessoas; ou d) com emprego de arma, seja ela própria ou imprópria, branca ou de fogo.
Importante ressaltar que, em se tratando da prática do crime de perseguição no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é possível a aplicação das disposições da Lei nº 9.099/95, por imposição expressa do art. 41 da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
O § 2º do art. 147-A do CP dispõe que as penas deste dispositivo são aplicáveis sem prejuízo das penas correspondentes à violência. Aqui, o termo violência pode ser entendido tanto como a violência física como a violência psicológica. No tocante à violência física é possível, por exemplo, o concurso do crime de perseguição com os crimes de lesão corporal ou de tentativa de homicídio. Em relação à violência psicológica, é possível o concurso do crime de perseguição com o crime de divulgação de cena de sexo ou de pornografia, na modalidade do § 1º do art. 218-C do CP, aquela em que o agente divulga cenas de nudez, sexo ou pornografia fornecidas pela própria vítima ou gravadas com o seu consentimento, a fim de vingar-se pelo término do relacionamento amoroso.
O crime de stalking é processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal, conforme disposição expressa do § 3º do art. 147-A do CP.
Conclui-se que o tipo penal de perseguição ou stlaking, na forma como elaborado pelo legislador, apresenta-se como um importante mecanismo de proteção das vítimas que, anteriormente à inovação legislativa, tinham a sua disposição tão somente a incipiente hipótese normativa do art. 65 da Lei das Contravenções Penais[2], incompatível com as novas relações sociais, especialmente daquelas que ocorrem em meio virtual. Não obstante, a expressão por qualquer meio, contida no tipo penal, alarga por demais o seu âmbito de abrangência, podendo criar dificuldades da sua correta interpretação e aplicação no caso concreto. Daí a importância da doutrina e da jurisprudência, no sentido de fixar as bases de sua aplicação, a partir dos casos concretos.
[1] Com exceção da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95.
[2] Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. (Revogado pela Lei nº 14.132/21)
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