CASO JOCA E OS CRIMES DE MAUS TRATOS A ANIMAIS - Meroto & Moitinho Advogados

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CASO JOCA E OS CRIMES DE MAUS TRATOS A ANIMAIS

Heloiza Meroto de Luca e Gabriel Silva de Sousa 

 

 

 

No último dia 22/04/2024, o Brasil e o mundo foram surpreendidos com um caso envolvendo Joca, um cão de 05 anos da raça Golden Retriever, e a companhia aérea GOL, devido à aparente falha no transporte aéreo do pet, culminando na  sua morte.

Segundo informações prestadas pelo seu tutor, Joca morreu durante o transporte aéreo da Golldog, empresa da companhia Gol, depois do erro no destino. De acordo com as informações prestadas, o cão deveria ter sido levado ao Aeroporto de Guarulhos (SP), para Sinop (MG), mas foi colocado num avião com destino a Fortaleza (CE). Diante do erro, o pet foi mandado de volta para Guarulhos, e quando o tutor chegou para encontrá-lo, Joca já estava morto.

No atual cenário, não existe uma regulamentação prevista para transporte de animais domésticos em transporte aéreo, ficando cada companhia responsável por atribuir estes requisitos, tais como o tamanho e peso do animal, para que ele possa viajar na cabine da aeronave.

Conforme as declarações feitas pelo tutor de Joca, o pet tinha um atestado veterinário que indicava que Joca suportaria uma viagem de no máximo 2h30. Entretanto, a companhia aérea não observou a recomendação, sujeitando o Pet a uma nova viagem, mandando ele de volta para Guarulhos, totalizando todo o trajeto do pet em aproximadamente 6h de voo.

Pode a companhia aérea ser responsabilizada tanto na esfera cível quanto na esfera criminal?

 Do ponto de vista de vista do direito civil, pode a companhia aérea ser responsabilizada pelos danos causados ao tutor de Joca, conforme previsto no art. 734 do Código Civil[1]. Neste caso, muito além de uma reparação a título de danos materiais pelas passagens e demais custas decorrentes do voo, pode a empresa ser responsabilizada à reparação a título de danos morais decorrentes da falha no transporte, em virtude da culpa da empresa, mais especificamente, da sua negligência ao submeter o pet a duas viagem de longo trajeto sem uma nova consulta, contrariando as recomendações veterinárias, culminando na morte de Joca.

Sob o ponto de vista do direito criminal, entendemos que, apesar doutrina e jurisprudência permitirem que a pessoa jurídica poder seja responsabilizada por algumas modalidades de crimes ambientais, no presente caso será muito difícil a comprovação da responsabilidade penal da companhia aérea, o que não exclui a responsabilidade penal dos seus funcionários.

O tipo penal que mais se aproxima do caso sob análise é o da prática de maus-tratos a animais domésticos, previsto no art. 32 da Lei nº 9.605 de 1998, com previsão de pena detenção, de três meses a um ano, e multa, podendo ser a pena aumentada em um sexto a um terço, se ocorre a morte do animal[2].

Não obstante, referido tipo penal é doloso, não admitindo a modalidade culposa. Tal informação, por si só, já contribui para mitigar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, intimamente vinculada à gestão de seu corpo diretivo. Caberá, portanto, à empresa demonstrar que apresenta um sólido sistema de compliance, o qual está em constante aprimoramento, a fim de estabelecer novas normas e procedimentos para transporte de animais vivos, como o transporte em cabines, juntamente com seus tutores, em alas reservadas, por exemplo.

Daí a importância, sempre latente, do desenvolvimento e manutenção do sistema de compliance nas empresas, não apenas naquelas de transporte aéreo, mas também naquelas de pequeno e médio porte, a fim de demonstrar a preocupação e a responsabilidade de seus sócios e gestores em adequar as suas empresas à legislação e aos programas pertinentes, blindando a empresas e diminuindo riscos.

Voltando ao caso concreto há que se observar a presença de dolo (direto ou eventual) por parte dos funcionários da companhia, ao enviar o animal novamente para o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em condições extremas, mesmo sabendo ou tendo como saber que o animal não suportaria a viagem, ou que sofreria em demasiado com o trajeto.

Nas palavras de Rogério Greco: “Fala-se em dolo eventual quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito”[3].

Vejamos que, no presente caso, os funcionários da companhia aérea tinham conhecimento de que Joca só poderia suportar uma viagem de no máximo 2h30, pois fora apresentado o atestado veterinário horas antes do voo por seu tutor e, logo quando identificaram o erro do destino do pet, submeteram-no a um novo voo de volta para São Paulo, sem submetê-lo a uma nova consulta em conjunto com um veterinário para verificar a saúde do pet, e se ele poderia realizar um novo voo.

São necessárias investigações complementares para verificar se os funcionários que determinaram o transporte do animal de volta para Guarulhos efetivamente tinham conhecimento do atestado apresentado, e se perceberam sinais de desgaste físico e/ou emocional no animal, e se mesmo assim resolveram conduzi-lo ao bagageiro de volta para Guarulhos. Se tais elementos ficarem provados, será possível a caracterização do crime de maus tratos por dolo eventual.

Contudo, se provado que tais funcionários não sabiam sobre as recomendações do atestado, e que não tinham como saber do desgaste físico e/ou mental de Joca, eles não poderão ser punidos pelo crime, pois neste caso terão atuado de forma culposa, fora do tipo penal que, frise-se, é doloso.

Mais uma vez, a análise do caso demonstra que o Direito Penal é a ultima ratio do sistema, exercendo o seu papel de forma pontual e subsidiária. Isso não impede que a justiça seja feita por meio da reparação, através do Direito Civil e dos demais ramos do Direito. Desejamos muita força aos familiares do Joca!

 

[1] Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

[2] Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: 

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

(...)

  • 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

[3] Curso de direito penal: artigos 1º a 120 do código penal / Rogério Greco. – 25. ed. – [2. Reimp.] – Barueri [SP]: Atlas, 2023.

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